Realização de trabalhos arqueológicos no troço de Muralha Fernandina existente na área do Palácio da Rosa, sito no Largo da Rosa nº 4, 5 e 6 e Rua Marquês de Ponte de Lima, nº 37, em Lisboa.
Trata-se de uma área de nível I de sensibilidade arqueológica na área do traçado da Muralha e nível II na área onde se implantaram as sondagens de solo, segundo o PDM de Lisboa, sendo o próprio palácio classificado como Monumento de Interesse Público pela Portaria n.º 740-J/2012, DR, 2.ª série, n.º 248 (suplemento), de 24-12-2012. O edifício encontra-se ainda abrangido pela Zona Geral de Protecção do Castelo de São Jorge e Restos das Cercas de Lisboa, classificados como Monumento Nacional pelo Decreto de 16-06-1910, DG, n.º 136, de 23-06-1910; e pela Zona Geral de Protecção do Antigo Colégio dos Meninos Órfãos, Recolhimento do Amparo, classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto n.º 1/86, DR, I Série, n.º 2, de 3-01-1986. Os trabalhos foram autorizados pela DGPC através do ofício nº S-2017/418934 (C.S. 1156258), datado de 17/01/2017, referente ao Processo nº S-13790 (C.S. 154051) e consistiram na abertura de cinco sondagens de solo e 13 sondagens parietais.
Os trabalhos arqueológicos realizados permitiram, em traços gerais, cumprir com os objectivos propostos, tendo o conjunto dos mesmos, sondagens de solo e parietais, fornecido informações que nos ajudam a melhor compreender a técnica construtiva e estado de conservação do troço da Muralha Fernandina integrado no Palácio da Rosa.
As informações mais pertinentes foram-nos reveladas pelas sondagens parietais, que foram distribuídas ao longo de toda a parede tardoz (NE) do Palácio da Rosa, em diferentes pisos, permitindo as mesmas esclarecer algumas dúvidas levantadas pela equipa projectista.
Assim, a realização das sondagens parietais na parede tardoz do Palácio da Rosa permitiu averiguar a presença da Muralha Fernandina em toda a sua extensão, possivelmente até ao limite do patamar inferior da escada localizada no ponto Nordeste do jardim – piso 0 - bem como em altura, tendo-se registado pelo menos até aos 10m (a que se deve somar mais cerca de 3m ao nível do piso 0) na sondagem parietal 12, localizada no piso 1. Claramente, a altura preservada vai-se alterando conforme as remodelações feitas ao longo dos séculos no palácio, tanto no interior como no exterior da parede tardoz.
As remodelações feitas na face interna da Muralha Fernandina são consistentes com a sua integração e necessidades habitacionais no palácio actual, permitindo averiguar o seu tipo de construção ao observar, em muitas sondagens, o seu miolo, após a remoção de todos os níveis de revestimento, regularizações e até mesmo dos aparelhos construtivos de paredes do palácio que adossaram à muralha, que em alguns casos chegam a rondar os cerca de 0,50m de espessura.
Por detrás destes níveis de regularização, foi possível identificar o miolo da Muralha, constituído por um aparelho maciço em alvenaria caracterizado, em geral, por argamassas de areia e cal de tonalidade branca, com uma compactação média /forte, com inclusões de fauna malacológica fossilizada e, ocasionalmente, fauna mamalógica, clastos de pequenas dimensões, picos de carvões (por contaminação) e fragmentos residuais de cerâmica comum. Estas envolvem elementos pétreos, nomeadamente biocalcarenitos, de pequenas, médias e grandes dimensões, dispostos de forma arbitrária em fiadas irregulares. Relativamente à sua espessura, e como já referido, vai variando conforme as afectações causadas pela construção e remodelações do palácio, mas podemos observar que nas zonas menos afectadas ela atinge os 2,20m, como identificado na sondagem parietal 14.
Observou-se ainda que a muralha assenta sobre o substrato geológico, como identificado na sondagem parietal 2, e que acompanharia a sua pendente natural, em que as fundações da muralha preencheriam as depressões naturais do geológico, por vezes cortando-o, consoante a necessidade para o seu assentamento, como observado na micro-sondagem 3 da sondagem parietal 1. A mesma hipótese foi avançada por Manuela Leitão e Vasco Leitão, arqueólogos da Câmara Municipal de Lisboa, no decorrer dos trabalhos arqueológicos levados a cabo em 2010 no Palácio da Rosa (LEITÃO e LEITÃO, 19).
As sondagens permitiram-nos ainda perceber que, com a construção do Palácio da Rosa, houve alterações significativas da topografia natural do terreno e que em alguns locais o substrato geológico foi cortado/removido de forma a criar plataformas niveladas ao longo da encosta, onde se foi construindo o palácio. Essa situação verifica-se, por exemplo, no compartimento abobadado localizado no piso 0, onde se efectuou a sondagem II e na cozinha e dependência anexa, onde se realizaram as sondagens VI e I, respectivamente. A criação destas plataformas ficou bem patente no registo arqueológico, permitindo-nos ainda observar em algumas sondagens parietais vestígios dessa topografia original (ver sondagem parietal 1 e 2).
Estas modelações de terreno levaram a que em determinados locais, onde seria espectável encontrar ainda preservada no solo a Muralha Fernandina, tal não acontecesse. Falamos da zona da cozinha, onde a construção da chaminé existente terá sido efectuada com o sacrifício de parte da muralha.
Ainda relativamente à topografia original do terreno, podemos observar que a muralha acompanharia essa mesma topografia, observando-se no caso da zona da cozinha, na sondagem parietal 2, um declive de cerca de 30º para SE. Esse declive faz com que, a cerca de 3m para SE, no compartimento anexo, não tenhamos identificado claramente a Muralha Fernandina, observando-se apenas numa das micro-sondagens (3) realizadas no alçado Sudeste da parede Noroeste do nicho existente, uma estrutura que se assemelha à Muralha Fernandina, encontrando-se a mesma a 1,28m de altura, a partir do chão, preenchendo o que parece ser a sua vala de fundação. Todas as restantes paredes deste nicho, onde se pretende no futuro abrir um vão, correspondem a construções Modernas realizadas já no substrato geológico, sob a Muralha Fernandina, que apenas é visível no piso 2.
Os trabalhos realizados permitiram igualmente confirmar que a escadaria de acesso ao 1º piso existente no jardim, foi edificada aproveitando em grande parte a Muralha Fernandina, estando a mesma preservada até pelo menos aos 3,80m de altura, ponto onde se encontra recortada para melhor se adequar à configuração da escada. Observamos no topo da escadaria
a utilização do entulho proveniente da destruição da própria muralha como enchimento para o nivelamento e criação do patamar superior e respectivos degraus.
As sondagens parietais realizadas não nos permitiram registar nenhum vestígio dos revestimentos originais da muralha. Calculamos que aquando da sua incorporação como parede estrutural do palácio, tenha sido realizada a picagem dos revestimentos originais de forma a permitir a ligação das novas argamassas das paredes de regularização que foram então erguidas, essencialmente na face interna da muralha.