No âmbito dos trabalhos arqueológicos de minimização na ZEP da Villa romana do Alto do Cidreira (Carrascal de Alvide - Cascais), levou-se a cabo, numa primeira fase, trabalhos de abertura de valas de diagnóstico mecânicas que tinham como objectivo definir a estratigrafia do local e detectar possíveis vestígios arqueológicos. Estas valas colocaram a descoberto uma série de vestígios, que levaram, numa segunda fase, ao alargamento da área e respectiva intervenção arqueológica com recurso a meios manuais.
Os trabalhos nos terrenos a SO da villa levaram à identificação de dois importantes sítios: um aqueduto romano e uma cabana do final do 3º milénio a.C.
A secção do aqueduto posto a descoberto possui um comprimento de 46m e uma largura de cerca de 60cm, apresentando-se de uma forma geral bem preservado. Destaca-se uma caixa de decantação, escavada num grande bloco de arenito e revestida a opus signinum, que se encontra em excelentes condições de preservação. A análise estrutural permitiu, para além de perceber a metodologia construtiva aplicada, verificar que estamos perante dois momentos construtivos: uma primeira fase, constituída por um canal central de perfil quadrangular, que se encontra, no sector Oeste, coberta por uma 2ª fase de reparação, onde o canal central apresenta um perfil semi-circular em opus signinum. Uma análise preliminar dos artefactos relacionados com a estrutura não permite dados claros quanto às suas épocas de construção, funcionamento e abandono. Os materiais associados às camadas que enchem e cobrem o aqueduto são na sua grande maioria fragmentos de cerâmica comum, rolados ou muito rolados, de formas com uma larga previvência temporal pelo menos entre os séculos I e V d.C.. Uma taça de perfil completo encontrada nas camadas de enchimento da caixa de decantação, aponta para uma cronologia dos séculos I-II d.C., muito embora esta forma continue a existir, em menor quantidade, pelo menos até ao século IV. O aqueduto forneceria muito provavelmente água ao complexo industrial de uma tinturaria, situada a poucos metros, no Bom Sucesso.
Os trabalhos num sector próximo do aqueduto permitiram a escavação de uma cabana/abrigo integrável na pré-história recente. Trata-se de uma estrutura da qual se identificou apenas parte de um dos muros, e que provavelmente teria uma planta elipsoidal. A esta estrutura, constituída por pedras de médias e grandes dimensões, encontra-se associada uma “bolsa” de forma circular, escavada no substrato rochoso, com três buracos de poste na sua base. Junto à parede Norte identificou-se uma lareira. A cultura material é essencialmente constituída por elementos cerâmicos e líticos. Para além das cerâmicas de paredes lisas, destacam-se as de nomenclatura campaniforme, vasos e caçoilas com uma decoração na sua grande maioria incisa. No que se refere aos líticos, surgem produtos alongados, lâminas e lamelas, bem como uma presença significativa de lascas, surgindo também um elemento de foice, tipologia associada a contextos da Idade do bronze. Uma análise preliminar parece indicar estarmos perante contextos datados de uma época de transição entre o Calcolítico final e o Bronze inicial.
Num terreno situado a SE da villa romana foi possível detectar, no seu limite Este, três estruturas em pedra seca, construídas em calcário e arenito. Duas destas estruturas limitam, a Sul, uma vala escavada no substrato rochoso (arenito) que se desenvolve com uma orientação Norte-Sul. Ainda associado a estas estruturas surge um poço construído em pedra calcária com cerca de 1,10m de diâmetro.
Em termos funcionais o nosso conhecimento sobre os vestígios postos a descoberto está algo limitado pelo facto das estruturas detectadas se desenvolverem para Sul, área não afectada pela construção e, por conseguinte, não escavada, o que não permitiu a percepção integral do desenvolvimento destas construções. As características das estruturas e a quantidade de pedras pertencentes ao derrube destas, deixa antever tratarem-se não de paredes de habitações, mas sim de muros de limitação do que parece ser um complexo agrícola. O aparecimento de uma pia no centro de um recinto que parece vedado, pelo menos no seu limite Este e Oeste, associada a uma vala de condução de água, leva-nos a acreditar estarmos perante uma estrutura de cerca para gado, ou outra actividade associada à prática agrícola. O aparecimento do poço corrobora esta ideia.
Em termos cronológicos, os materiais detectados encontram-se muito rolados e são, numa análise preliminar, de cronologia romana, séculos IV/V, embora a grande maioria do material arqueológico recolhido seja cerâmica de construção e material de cronologia duvidosa, visto tratar-se de cerâmica comum de larga prevalência temporal.
No extremo Oeste deste terreno, foi identificada uma necrópole associada à villa romana do Alto do Cidreira, sendo postas a descoberto 11 inumações, das quais 10 foram exumadas, e 3 sepulturas de criança já sem quaisquer vestígios osteológicos. As sepulturas encontravam-se escavadas em parte no substrato rochoso, não possuindo a sua maioria qualquer cobertura, excepto quatro, cujas coberturas variam entre a utilização de tijoleira, telha de canudo (imbrex), lajes de calcário e uma placa de leós (esta encontrava-se já bastante destruída, fruto de profundos revolvimentos efectuados na área do enterramento).
Dos 10 enterramentos exumados, 1 é infantil e 9 são adultos, dos quais 5 são indivíduos femininos, 2 masculinos, e 3 de sexo indeterminado. Com excepção do enterramento infantil, todos eles se encontravam sensivelmente com uma orientação Norte-Sul, possuindo espólio associado, que na sua maioria passava pela colocação junto à tíbia esquerda de um potinho, uma taça e uma lucerna. Um dos enterramentos possuía igualmente uma lucerna colocada junto à cabeça. É de destacar um dos enterramentos que possui junto à tíbia esquerda dois potinhos, uma taça e uma lucerna, e junto à mão esquerda um pico em ferro indiciando que este terá sido colocado na mão do defunto. Ainda junto ao braço direito surgem três lucernas. A Este da cabeça surge, a uma cota superior, um fundo de uma taça de vidro com pé anelar, possivelmente em deposição secundária. Uma análise preliminar do espólio permite-nos enquadrar esta necrópole entre os séculos III/IV d.C.
Num terreno situado a Norte do anteriomente referido, foi posta a descoberto uma estrutura construída em pedra calcária e arenito, unida por argamassa de cal esbranquiçada, que se desenvolve com uma orientação Norte-Sul. Possui uma largura de 1,20m. Junto ao corte Oeste surgem duas lajes de pedra calcária, desenvolvendo-se uma delas para o interior do corte. Estas lajes parecem cobrir um espaço vazio que, por limitações inerentes à própria localização da sondagem, não foi possível apurar que função teria. Julgamos que este espaço será na realidade uma caleira de condução de água e que a estrutura detectada possui igualmente funções relacionadas com a condução de água.
Mais a Norte foram identificados e escavados 5 silos de cronologia medieval. A escavação do interior detes silos revelou perspectivas de enchimento distintas. Assim, foi possível observar que três dos silos foram, após o seu abandono, utilizados como lixeiras, surgindo material cerâmico pertencente a recipientes de armazenamento e confecção de alimentos e sobretudo material de construção como telha e tijolo. A par deste material surgiu ainda escasso material malacológico e osteológico. Num dos silos foi possível exumar junto ao fundo um enterramento de cão em conexão anatómica. No que se refere à tipologia e cronologia dos materiais arqueológicos recolhidos, numa análise preliminar, revelam tratar-se de recipientes de cozinha, como panelas, bilhas, cântaros e taças, alguns deles ostentando pintura a branco e vermelho, atribuída ao período Islâmico. Os restantes silos foram, quase exclusivamente, preenchidos com pedras, algumas delas aparelhadas, indiciando apenas a preocupação de os encher o mais rápido possível, não revelando praticamente nenhum material arqueológico excepto alguns fragmentos de telha e tijolo.
A observação geral dos dados obtidos é demonstrativa da riqueza e importância dos elementos colocados a descoberto. Os resultados alcançados, permitem dar um passo em frente no conhecimento do povoamento antigo da região, bem como mostrar a importância do valor patrimonial existente na zona em redor da villa romana do Alto do Cidreira (Cascais).
Responsável pelo Projecto: Nuno Neto
Artigos relacionados:
"Intervenção Arqueológica ZEP da Villa romana do Alto do Cidreira (Cascais)"
Publicado nas actas das jornadas de arqueologia do vale do Tejo em território Português (Centro Português de Geo-História e Pré-História – 2009).
"Intervenção Arqueológica realizada na Zona de Protecção da Villa romana do Alto do Cidreira - Cascais"
Publicado no Boletim de Cascais (2008).
"Cerâmicas Medievais do Alto do Cidreira, Cascais"
Poster apresentado em "O Gharb Al-Ândaluz - problemáticas e novos contributos em torno da cerâmica", Mértola (2009)
"Intervenção Arqueológica no Alto do Cidreira, Cascais - Um exemplo de interacção Arqueologia - Autarquia - Promotores"
Publicado nas actas do Encontro Arqueologia e Autarquias promovido pela Câmara Municipal de Cascais em dezembro de 2008.