Durante os trabalhos de acompanhamento arqueológico efectuados na sequência das obras de reabilitação do prédio correspondente aos nºs 79/87 da Rua das Amoreiras, registaram-se dez estruturas de cronologia Contemporânea, contextos associados a um conjunto de materiais essencialmente cerâmicos com cronologia atribuível ao Período Moderno/Contemporâneo.
Os trabalhos de acompanhamento arqueológico que decorreram na Rua das Amoreiras, no
interior do edifício (nº 79 e 87) e respectivo quintal, permitiram a recolha de variada informação relacionada com contextos de época contemporânea.
Apesar da perturbação previamente existente no “Sector 1”, equivalente ao interior do
prédio intervencionado, foi possível identificar vestígios de estruturas de alvenaria de
Período Contemporâneo, essencialmente relacionadas com a malha edificada que ocupava
anteriormente esta área, que correspondem a vestígios de habitações e/ou delimitações de
propriedades. Estas estruturas terão sido destruídas possivelmente durante a construção do
edifício agora em remodelação, tendo as suas fundações sido reutilizadas para
assentamento de algumas paredes divisórias interiores e bases de pilares.
No “Sector 2”, correspondente ao quintal do edifício, encontraram-se estruturas com as
mesmas características construtivas e cronologia, bem como vestígios de antigos pisos que
terão possivelmente pertencido a habitações e/ou arruamentos anteriormente existentes
neste local. Contudo, nesta área não se observaram reutilizações das unidades
identificadas. Será importante salientar que algumas das estruturas localizadas neste último
sector poderão corresponder a um mesmo momento de construção e eventualmente a um
mesmo proprietário. Referimo-nos às U.E. [117], [122] e [140] que, para além de serem
constituídas pelos mesmos materiais de construção, apresentam nas suas paredes o mesmo
tipo de reboco pintado de vermelho onde se verifica uma tonalidade muito semelhante.
No sentido de procurar compreender melhor que tipo de estruturas existiram no edifício
em análise, realizámos uma entrevista a um ex-inquilino do mesmo e a uma moradora do
prédio correspondente aos nºs 89 e 91.
No edifício intervencionado encontrava-se um estabelecimento de venda de mobiliário e
falámos com o seu actual proprietário, Fernando Vigário, de 70 anos de idade. O mesmo
disse-nos que o seu pai já tinha a loja de móveis quando nasceu e que, apesar de frequentar
o local e o terreno do prédio desde criança, não tem memória da existência das estruturas
descobertas no local. Para além da pequena casa localizada a SE do prédio reabilitado, as
únicas estruturas que o Sr. Fernando diz ter conhecido no quintal são a pequena casa
existente no fundo do terreno (localizada no ângulo entre o muro NO do quintal e o aqueduto, a SE) e o pequeno banco de pedra em forma de meia-lua situado em frente da
mesma. Com efeito, através de cartografia antiga foi possível confirmar a presença destas
estruturas e da pequena casa localizada no quintal a SE do edifício, pelo menos desde 1857.
O Sr. Fernando contou-nos também que antigamente o quintal encontrava-se dividido em
parcelas, que a terra era cultivada e as culturas oferecidas à senhoria. Os terrenos eram
divididos através de redes e não através de estruturas, sendo que o lado correspondente a
este inquilino localizava-se onde se encontra a casinha localizada a SE do prédio
intervencionado, onde o Sr. Fernando guardava móveis. A propósito da antiguidade dos
edifícios desta área, próxima ao aqueduto, o mesmo referiu que o prédio vizinho
correspondente aos números 75 a 77 era pertencente a um guarda-mor. Trata-se também
de um edifício que, à semelhança dos anteriores, surge igualmente em cartografia de 1857.
Conversámos ainda com Ana Clara, uma senhora de meia-idade que vive desde 1990 no
prédio vizinho correspondente aos números 89 e 91. A mesma afirma que não se recorda
da existência de quaisquer estruturas existentes no local a não ser de alguns barracões de
madeira e zinco e das divisões do quintal efectuadas com uma rede, correspondendo cada
uma a um andar do prédio.
Durante a nossa permanência na obra foi-nos dito pela Engª. Daniela Costa que em
conversa informal com uma Senhora idosa também habitante do prédio vizinho (nºs 89 e
91) a mesma lhe tinha afirmado que o mesmo datava de 1746 e que tinha sido construído
para servir de habitação aos operários que construíram o Aqueduto das Águas Livres. De
facto, a confirmar-se esta informação, a cronologia apontada para a construção deste
edifício coincide precisamente com o início das obras da Casa da Mãe da Água das
Amoreiras e dos doze arcos existentes na rua, entre os quais o Arco Triunfal (1746/1748)
que corresponde, como referimos anteriormente, ao centésimo do aqueduto. Será
importante referir que a mesma vizinha terá dito que já os seus avós moravam no prédio e
que eles contariam esta mesma história, o que demonstra que esta informação foi sendo
transmitida oralmente ao longo de várias gerações.
Apesar de não termos conseguido chegar à conversa com esta vizinha, a Sra. Ana Clara
confirmou-nos que de facto esta história é do conhecimento geral dos habitantes do prédio
e que a casa em análise terá sido a primeira a ser construída na rua, informação já
anteriormente transmitida à Engª Daniela Costa pela vizinha referida. Para além de
corroborar estas curiosas informações, a Sra. Ana Clara diz-nos ainda que originalmente o prédio seria mais baixo e que só mais tarde terá sido acrescentado o último andar,
referindo ainda que existe uma pintura da casa onde a mesma é retratada só com rés-dochão e primeiro piso.
Após as entrevistas realizadas a estes dois habitantes do edifício intervencionado e do
prédio vizinho (nºs 89 e 91), foi assim possível concluir que os mesmos desconhecem a
existência de estruturas nos locais referidos, apesar de um dos entrevistados conhecer o
local há cerca de 70 anos.
O facto de termos iniciado o acompanhamento arqueológico após a demolição de boa parte
das paredes divisórias interiores do edifício, dificultou o processo de leitura das estruturas
pré-existentes. Contudo, foi possível concluir que as estruturas identificadas no “Sector 1”
serão provavelmente anteriores ao edifício intervencionado. Neste sentido, verificámos que
as mesmas não apresentam correlação com a planta interior, tal como não se observam as
mesmas dimensões, nem a mesma configuração do edifício esquematizado na cartografia
mais antiga consultada (1857), tendo-se apurado, por exemplo, que o Alçado SO da U.E.
[108] se encontra sensivelmente a 5,50 m de distância da parede interior do edifício
intervencionado. Por estes motivos, assim como pelo facto das estruturas descobertas
neste sector apresentarem diferentes características construtivas e terem sido
comprovadamente reutilizadas para a estruturação do edifício em análise, julgamos que as
mesmas serão anteriores a este prédio.
Após consulta de cartografia antiga e plantas locais, verifica-se que existe um edifício, pelo
menos desde 1857 no local do prédio reabilitado, que para além de ocupar exactamente a
mesma área aparenta ter as mesma volumetria tanto nessa época como na cartografia mais
recente. A interpretação da mesma leva-nos ao levantar da hipótese de se trata do mesmo
edifício, teoria reforçada pela existência de um detalhe que parece corresponder a umas
pequenas escadas, que partem do Alçado SO para o quintal do edifício, que se observam
em cartografia de 1857 e de 1911.
Exceptuando uma planta de 1925 (fig.17) em que o prédio reabilitado surge destacado dos
edifícios vizinhos, localizados a NO, na restante cartografia verifica-se que estes três prédios
aparecem sem linhas divisórias que os distingam, dando a falsa sensação de pertencerem a
um mesmo edifício. Neste sentido, conclui-se que só neste momento se retrata de facto o
prédio isolado dos demais, mantendo igualmente e aproximadamente as mesmas
dimensões que se observam em 1857, nomeadamente uma fachada SO mais avançada do que as mesmas correspondentes aos prédios vizinhos supracitados. No que respeita à sua
fachada principal, a mesma surge recuada relativamente aos mesmos edifícios apenas e
também na planta de 1925.
No caso do “Sector 2”, o facto das estruturas identificadas não surgirem na cartografia e
plantas consultadas poderá indicar que se tratariam de edifícios secundários e/ou em
processo de ruína, o que eventualmente poderia ter motivado a sua não inclusão. Outro
factor a ter em conta poderá relacionar-se com a construção do edifício intervencionado,
podendo estas estruturas terem sido parcialmente demolidas durante os trabalhos de
movimentação de terras conduzidos no local. Por outro lado, tendo em consideração que o
terreno correspondente a este sector apresenta a mesma configuração pelo menos desde
1857 e que os materiais arqueológicos de cronologia mais recente associados às estruturas
detectadas se inscrevem numa fase recente do Período Contemporâneo, é possível que as
mesmas tenham sido construídas com o intuito de habitação provisória, divisão de terrenos
e/ou armazenamento de utensílios e materiais. Posteriormente poderiam então ter sido
demolidas por uma questão de necessidade de uma nova organização espacial,
especialmente tendo em consideração que num período recente o terreno do quintal
estaria dividido por pequenas cercas feitas de rede, correspondendo cada parcela do
mesmo aos vizinhos dos diferentes andares do prédio.
Durante os trabalhos de escavação recolheram-se ainda vários elementos artefactuais,
particularmente fragmentos de cerâmica, correspondentes a diversas tipologias formais
com um enquadramento cronológico geral que situamos entre o Período Moderno e
Contemporâneo.
Apesar de apenas terem sido detectados no local materiais e estruturas correspondentes a
uma época relativamente recente, consideramos pertinente e necessária a realização de
futuros trabalhos arqueológicos na zona que permitam aprofundar os conhecimentos
obtidos. Será importante referir que algumas estruturas, apesar de parcialmente demolidas,
apresentam-se conservadas em zonas não intervencionadas do “Sector 2”, como sucede
com as U.E. [117], [140-A] e [140-B]. Por outro lado, salvaguardar-se-á a eventual existência
de vestígios de ocupações humanas anteriores nas zonas que se encontram para além dos
limites das áreas intervencionadas.
Responsáveis pelo Projecto: Paulo Rebelo e João Damásio