O presente relatório procura descrever os trabalhos arqueológicos realizados entre Maio e Outubro de 2015, no Palácio do Conde Barão de Alvito, sito no Largo Conde Barão, freguesia da Misericórdia, Lisboa. Encontra-se implantado numa zona sensível do ponto de vista patrimonial, abrangido pela área de proteção (ZEP: Portaria n.º 398/2010, DR, 2.º série, n.º 112, de 11-06-2010) conjunta do Bairro Alto e Imóveis Classificados na sua Área Envolvente; junto do Palácio Almada-Carvalhais que é monumento classificado (Monumento Nacional: Decreto de 27-12-1919, DG, II Série, n.º 158, de 8-07-1920). O Palácio do Conde Barão de Alvito tem a sua fundação entre finais do século XVI e inícios do século XVII, tendo sofrido ao longo do tempo bastantes alterações. Foi fortemente afectado pelo terramoto de 1755, tendo sido recuperado e adaptado a diversas funções que foi tendo ao longo do século XIX e XX.
O Palácio do Conde-Barão do Alvito foi construído junto à linha de praia, próximo do já existente Palácio de Almada-Carvalhais. Durante os séculos XVI e XVII construíram-se também vários arruamentos, onde se fixou uma população ligada às actividades marítimas e comerciais, observável na própria toponímia – gaivotas, pescadores, mastros. Este vínculo mercantil regista-se no próprio Palácio Almada-Carvalhais, solar dos provedores da Casa da Índia, cargo pertença dos Almadas.
O Palácio do Conde-Barão veio a sofrer algumas alterações durante o século XVII e vários restauros desde o século XVIII à 1ª metade do século XX. Abandonado na sequência do terramoto de 1755, deixou de pertencer à família dos Barões do Alvito. De arquitectura chã, apresenta extensa fachada de acentuada horizontalidade, tornejando a Ocidente para a Rua dos Mastros. A fachada principal apresenta-se visualmente bipartida; o corpo principal é ritmado por uma sucessão de nove vãos de janela de sacada de lintel rematado em cornija, com gradeamentos de ferro fundido e, casualmente, ferro forjado. Quebrado pela ligeira inflexão que é demarcada pela imponente pilastra de cantaria, surge o pano onde se abrem seis vãos por piso com a mesma leitura da anterior. Este corpo é composto por um último piso sobre beirado de telha de canudo. A Ocidente, a solução anterior é repetida nos cinco vãos por piso que a fachada apresenta. O tardoz do edifício, irregular e mais pobre, abre-se para o antigo jardim. De planta quadrangular, irregular, de volumetria paralelepipédica, com cobertura efectuada por telhados a 4 águas, é composto por 2 corpos lateralmente delimitados por pilastras em cantaria e desenvolvidos em 3 andares (regista-se um 4º piso ao nível da cobertura, apenas sobre o corpo a Oeste e recuado relativamente aos alçados), o edifício, apresenta alçado principal a Sul, com ângulo saliente na junção dos corpos.
Na zona do «Conde-Barão», desde meados do século XIX são instaladas diversas unidades fabris, culturais e comerciais – garagens, tipografias, editoras, fábricas … – que se vão localizar no lado Sul. «Os Armazéns do Conde Barão» e a «Escola Académica» são algumas dessas entidades. O último sinal de vida activa no Palácio Conde-Barão foi mesmo dado pela «ESCOLA ACADÉMICA», estabelecimento de ensino que funcionou durante 130 anos (1847-1977), localizando-se aí a partir de 1944 (Fonte: CML; SIPA).
Os dados obtidos encontram-se ainda em fase de estudo, mas podemos para já avançar com as seguintes conclusões, que ilustram sinteticamente a sequência ocupacional da área em análise:
• O período Contemporâneo identifica-se sobretudo na área do logradouro, em todas as sondagens abertas nessa zona (Sondagens 1, 2, 3, 4 e 5). Regista-se sensivelmente até 1 metro de profundidade, à excepção de duas valas que atingem os 4 metros de profundidade afectando níveis romanos, nas sondagens 2 e 4 respectivamente. No interior do palácio (1º e 2º piso), a representação deste período cinge-se essencialmente aos níveis de piso.
Estes contextos correspondem a camadas de nivelamento do terreno, a valas para inserção de sistemas de canalização, a fossas de despejo de material e pisos no interior do edifício. É de destacar o aparecimento de uma fonte, possivelmente estrutura integrante da última ocupação do espaço como Escola Académica.
• A época Moderna encontra-se representada em todas as sondagens efectuadas no exterior e interior do edificado, com excepção das intervenções efectuadas ao nível do 1º piso. Neste, apenas nas sondagens 10 e 11 se registaram estruturas possivelmente dessa época.
Este período de ocupação caracteriza-se genericamente por contextos de despejos que estarão possivelmente relacionados com processos de nivelamento do terreno, variando a sua espessura entre sensivelmente 2m e 3m.
De âmbito estrutural é de salientar os muros situados na zona Este da sondagem 1, bem como as estruturas que integrariam os jardins do palácio desde o século XVII, tais como a estrutura interpretada como fonte ou lago que se registou na sondagem 2, e a estrutura em escadaria identificada na sondagem 3. Registaram-se estruturas de canalização de época Moderna nas sondagens 2, 6 e 14.
• O período moderno pré-terramoto de 1755 está presente em quase toda a zona do logradouro, com clara e forte expressividade nas sondagens 5 e 14.
Destaca-se portanto a calçada datada por numismas, nomeadamente a moeda de X réis de cobre do reinado de D. Maria I com a data de 1799 recolhida no nível de abandono da estrutura, e por uma moeda do reinado de D. José I de V réis datada de 1754, imediatamente sob a mencionada calçada, bem como o muro que lhe está associado, identificados na sondagem 5. Neste âmbito, realça-se igualmente o pátio interno constituído pelas arcadas e a calçada e depósitos que o permitiram datar.
• Existe posteriormente um considerável hiato temporal, observando-se imediatamente sob os níveis de época Moderna, níveis que ilustram uma ocupação Tardo-Romana. Esta ocupação estende-se praticamente por toda a área do logradouro e na sondagem 6 efectuada no interior do palácio (2º piso). Embora esta corresponda frequentemente a níveis de derrube ou até mesmo de "despejo" como se verifica na sondagem 6. No que respeita aos contextos de derrube, denote-se o nível de dimensão significativa registado na sondagem 2 constituído por pedras de médio e grande porte. Contudo, esta unidade não foi escavada, o que impossibilitou averiguar se existem ou não estruturas preservadas sob este derrube. Na sondagem 1 identificaram-se estruturas possivelmente correspondentes a alicerces de muros, em razoável estado de conservação, mas limitadas espacialmente à zona Este da mesma. Todavia, na área Oeste desta sondagem surge um contexto funerário, composto por dois enterramentos infantis (0 a 12 meses) depositados em ânfora e por um enterramento de uma criança de cerca de 5 anos em cista, muito bem estruturada em pedra de fiadas regulares unidas por argamassa. Ainda nesta sondagem registaram-se 3 estruturas negativas (fossas).
• A cronologia romano republicano cinge-se à zona Norte da sondagem 2. Este período é representado por níveis de abandono e por um muro de orientação Este-Oeste, em condições de conservação razoáveis.
• Na sondagem 1, localizada no lado Norte do logradouro, identificou-se ainda um paleosolo com materiais líticos e cerâmicos descontextualizados associados à Pré-história Recente, não foi até ao momento possível precisar uma cronologia mais fina.
• A análise da arqueologia da arquitectura permitiu observar que o edificado tem uma raiz antiga como palácio construído entre os finais do século XVI e o inicio do século XVII tendo sofrido diversos impactos, como o do terramoto de 1755, e remodelações onde se procurou reorganizar e adaptar o espaço a diversas funções que foi tendo ao longo do século XX. Importa mencionar o elevado estado de degradação do edifício, com o colapso de parte da cobertura e de praticamente todo o piso existente nas águas furtadas, bem como de todo o 3º piso que se desenvolvia na ala Este. O restante edifício encontra-se em alguns locais em eminente estado de derrocada materializado essencialmente no torreão existente no limite Norte da ala Oeste.
O piso nobre do palácio era composto por suntuosos salões de que se destaca a sala dos ananases, a sala da música e outras salas de menores dimensões profusamente decoradas com estuques e pinturas. Destas mantêm-se ainda em razoável estado de conservação a sala da música e em menor estado de preservação uma sala que ostenta pinturas que representam paisagens da Sintra do século XIX.